Descer à terra


“Descer à terra, uma e outra vez, acolher o contraditório, o sombrio, o que nos dói, sem desalento e com ternura. Sempre com ternura, porque a terra que somos é o nosso melhor tesouro. Quando abrimos assim o coração, caem os medos, a liberdade ganha outra amplitude, aprendemos a olhar os outros com compaixão e vamos experimentando que Deus vive e respira em nós. Quanto mais descemos à nossa terra, mais nos tornamos transparência do Mistério de Deus. A nossa terra é o nosso Céu.”



Esta passagem do novo livro do padre Carlos Maria Antunes – “Só o Pobre se faz Pão” (1)fez-me parar e tomar ainda mais consciência de como é tão precioso tornar-me pequena, porque só assim poderei amar-me e poderei amar. Só assim poderei descobrir o tesouro que tenho dentro de mim. Só assim poderei acolher dentro de mim o outro tal como ele é com toda a sua originalidade. 


“Descer à terra” significa tocá-la, mexer e remexer, cultivá-la, plantar e semear a boa semente para que dê fruto e fruto em abundância, isto é, deixarmo-nos tocar pelo autor da VIDA, para que a vida nasça em nós, e a seiva que dela corre estenda os seus braços a outros campos – os outros.


“Descer à terra” significa ir ao mais profundo de mim mesma e deixar-me amassar como quem amassa o pão e volta a amassar até que a farinha, o fermento, o sal e a água se entrelacem entre si e formem uma massa de tal forma homogénea que não se desfaz, pelo contrário, leveda e prepara um pão que dá vida, leva à comunhão, à partilha e à fraternidade. 


“Descer à terra” significa perceber que a primeira atitude a ter quando estou com alguém é saber colocar-me aos seus pés e servi-lo, tal como Jesus fez na Última Ceia que, ao colocar a toalha à cintura e lavar os pés aos seus discípulos, os ensinou a servir para que também servissem (2). 


E é neste despojar-me de mim própria, é neste olhar para a terra que sou, neste “descer à terra” permanente, que me vou tornando mais “transparência do Mistério de Deus”, porque “Deus vive e respira em nós”, amassa-me o coração e torna-o mais Amor, mais ternura, mais fraternidade.


Quanta terra a remexer, quanta pedra a afastar, mas é neste “descer à terra” constante que percebemos que o nosso Céu começa aqui na terra.






(1) Só o Pobre se faz Pão, Paulinas, Portugal, 2013. Carlos Maria Antunes é monge cisterciense do Mosteiro de Santa Maria de Sobrado, na Galiza (Espanha), nasceu em Tomar e foi pároco na diocese de Santarém. 


(2) Ver João 13, 1-5
 


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