A porta
- O que há aí dentro?
- É a primeira vez que vês esta porta?
- “Hospital de dia. Sala de Onco-hematologia”…
Pois sim. Já está aí há muito
tempo?
- Muito tempo.
Quem está aí dentro?
- Terás que entrar para o
saber.
- Passar? Mas…
- A sua é a número 7. Avance, acomode-se que venho já colocar-lhe a
medicação.
- Bom dia… com licença vou à casa de banho, assim, com a máquina atrás
e tudo. Não se preocupe, no final já está habituado.
Sento-me na cadeira azul que me
foi indicada, a número 7.
Trouxe um livro, um computador, uma garrafa de litro e meio. Tenho
para algum tempo.
- Deseja auriculares para a televisão? Pomos-lhe no canal que desejar,
só tem que o pedir.
À minha esquerda, no número 6, está uma rapariga jovem, não mais de 16
anos, tem um lenço na cabeça, parece que vomitou, hoje não lhe podem fazer a
quimioterapia e chora. Chama-se Estefânia. Meu Deus!
- Olá, hoje o cocktail serves-mo frio e bem forte.
No número 2 acaba de se sentar uma mulher idosa, tem metade do rosto
paralisado. Diverte-se e ri enquanto lhe colocam a medicação.
- Onde é que eu vim parar! Não se pode estar mais apalermado!
Vou descobrindo o que existe por detrás desta porta misteriosa que o
Senhor me convidou a entrar. Aqui não se
faz nada. Aqui espera-se, em silêncio, como numa recôndita capela com o
Santíssimo exposto. – Estás a entender?
- Porquê agora? – Por que
não agora?
- Porquê eu? – Porque não
tu?
- É que acabo de fazer 43 anos.
- Sim, e a Estefânia 16.
- Tens razão. Porquê até agora tantos outros e não eu?
- Porquê tantos?... Porquê tanto?
- Porquê até agora tu na cruz?
- Aproxima-te, vamos.
- Não posso aproximar-me da
cruz.
- Podes, sou eu quem te
aproxima.
- Posso apoiar o meu rosto no teu ombro?
- Claro!
- Há quanto tempo falo de ti! Quantas coisas passaram desde aquela
contemplação diante da cruz no retiro do Colégio quando tinha 15 anos! Também
então apoiei o meu rosto no teu ombro.
- Mas agora é diferente, não é?
- Então perguntei-me: depois do que fizeste por mim, que posso fazer
eu por ti?
- E agora o que te perguntas?
- Depois do que padeceste por
mim, que posso eu padecer por ti? – Padece esta parte do meu corpo que
tanto amo.
- Como?
- Que não se sinta só, que não lhe falte ânimo nem o apoio do meu
ombro.
- E como jesuíta, que faço?
- O mesmo.
- O mesmo?
- Olha para o que diz Inácio, oferece
a tua doença do mesmo modo que ofereceste a tua saúde. Não esqueças que a
Companhia de Jesus nasceu também, como toda a Igreja, do meu ombro.
Marc Vilarassau, sj
Li este texto no "Religion Digital" há alguns dias atrás a propósito da morte deste jesuíta que entrou na Casa do Pai uns dias antes.
Fez-me pensar e por isso partilho convosco, pois é uma boa reflexão para a nossa vida.
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